Crianças francesas não fazem manha

Leia a seguir a entrevista com a autora do livro Crianças francesas não fazem manha, e veja porque a educação à francesa tem sido modelo em vários países.

A receita francesa contra a pirraça

Americana radicada em Paris, Pamela Druckerman comparou a forma como os pais criam os filhos na França e nos Estados Unidos e concluiu: os franceses preparam melhor para o futuro, mas não esperam grande coisa deste futuro.

A jornalista americana Pamela Druckerman, 42 anos, era correspondente do Wall Street Journal na América Latina e, solteira, vivia muito bem sozinha entre Buenos Aires, São Paulo e Nova York. Aí sua vida deu uma reviravolta: foi demitida, conheceu o colunista esportivo inglês Simon Kuper, mudou-se com ele para Paris em 2004 e se tornou mãe e dona de casa. Olhando em volta, percebeu que não estava se saindo bem em nenhuma das duas funções.

Grávida, Pamela engordou mais do que o recomendado e se encheu de preocupações, enquanto as vizinhas gestantes francesas continuavam charmosas e em forma. Depois do parto, sofria com as noites maldormidas, enquanto via as francesas retomar a rotina sem olheiras. Levava a filha para almoçar fora e, entre crises de birra e inapetência, invejava as crianças nas mesas em volta, comendo como gente grande.

Pamela resolveu então investigar como os franceses conseguiam criar filhos tão bem comportados. O resultado está no best-seller Bringing up Bébé, lançado em vinte países e que acaba de chegar às livrarias brasileiras com o título Crianças Francesas Não Fazem Manha (272 páginas, R$ 29,90), da editora Objetiva. Mãe de mais uma menina e dois meninos que comem queijos e verduras como parisienses natos, ocupada em escrever um segundo livro sobre o assunto, Pamela conversou com o site de VEJA, por telefone. Conheça alguns dos conselhos da autora para os pais, a partir da comparação entre o que fazem as famílias americanas e francesas:

Equilíbrio: “Nem tudo é perfeito na França. Os franceses têm uma visão bem pessimista da vida, estimulada nas escolas, na literatura, no cinema e nas artes. Para eles, os problemas são imutáveis. Os americanos são mais positivos e esperançosos. Acreditamos que podemos tudo. Em casa, tento compensar esta influência cultural francesa lendo histórias americanas para os meus filhos. Além de boas maneiras à mesa, quero que eles aprendam também a acreditar no final feliz.”

Tempo livre: “Meus três filhos estudam num escola pública de Paris, onde também têm aulas de música e praticam esportes. Se morássemos nos Estados Unidos, eles provavelmente teriam muito mais atividades. É difícil escapar da pressão social, embora eu perceba que os americanos estão revendo este esquema de agenda lotada dos filhos e dando mais importância ao convívio com a família. Os pais franceses têm muito a ensinar nesta questão. A educação francesa facilita o aprendizado de características que são essenciais para se tornar um adulto saudável, como administrar o tempo livre sem ansiedade. As crianças brincam sozinhas, sem monitores ou babás em volta o tempo todo. Os pais não adaptam a decoração inteira da casa ao gosto dos filhos, mas respeitam seus palpites no próprio quarto, que consideram seu território.”

O momento certo: “Os pais franceses estão tão preocupados com o futuro dos filhos quanto os americanos, chineses e brasileiros. Como todos os pais do mundo, reclamam da qualidade das escolas e querem que os filhos desenvolvam ao máximo suas habilidades. A diferença é que os franceses respeitam mais cada fase da infância. Acham que ensinar a criança a ler e escrever aos 3 anos, quando ainda não tem maturidade para isso, não garante que ela terá sucesso no futuro. Eles veem com desconfiança esta nova forma de educar, com alto estímulo precoce.”

Limites: “Dizer não e estabelecer limites transmite segurança à criança. Ela entende com clareza como deve se comportar. É claro que, quando ouve o não, vai reclamar e demonstrar raiva. Os pais franceses entendem que sentir raiva e se frustrar faz parte da vida. Eles dialogam com os filhos, mas não abrem espaço para longas discussões. São firmes e não se sentem culpados porque sabem que é melhor para a criança aprender a ter paciência e autocontrole. Se o filho interrompe um telefonema, por exemplo, a mãe francesa pede que ele espere e retoma a conversa; a americana desliga e vai atendê-lo. Assim, a criança americana cresce acostumada a ter o quer, na hora que quer, e faz um escândalo se isso não acontece. Nos Estados Unidos, os pais têm medo de contrariar os filhos porque são eles que mandam na rotina da família. O resultado é que a criança acha que é o centro do universo e não se conforma quando tem uma expectativa frustrada.”

Modelo: “Moro em Paris desde 2004 e ainda me sinto intimidada pelas francesas. Não consegui ficar amiga de nenhuma parisiense. Elas são discretas e distantes — o oposto do que observei sobre as brasileiras quando morei em São Paulo, em 2001. As brasileiras cuidam do corpo, mas não são escravas de um padrão de beleza. Já as francesas seguem à risca um modelo restrito e pré-definido – sempre magra, bem vestida, sem exageros – e a mulher que não se enquadra nele está perdida. Elas trabalham tanto quanto as americanas, mas conseguem ter mais equilíbrio entre as horas dedicadas à carreira e aos relacionamentos pessoais, até porque recebem mais ajuda do governo. Elas recebem auxílio financeiro para criar os filhos e dispõem de creches e escolas públicas de boa qualidade. Curioso: mesmo assim, vivem reclamando da vida.”

Com alegria: “As crianças francesas aprendem a ter prazer com as coisas do dia-a-dia que, em outros países, são consideradas privilégio de adultos. Comida, por exemplo. Os americanos se preocupam muito com a nutrição mais correta e acham que o paladar das crianças pequenas é limitado ao doce e ao salgado. Na França, elas são estimuladas desde cedo a experimentar diferentes sabores. Para elas, as refeições são um ritual prazeroso: a mãe ou o pai vai ao mercado com os filhos comprar os ingredientes para o jantar, eles cozinham juntos, arrumam a mesa e se sentam para apreciar a comida, sem pressa e sem televisão ligada. Desta forma aprendem a comer legumes e queijos naturalmente, sem dramas. A hora de dormir também é encarada de modo diferente. Nos Estados Unidos, se o bebê chora, vai para o colo imediatamente. Na França os pais esperam um pouco, para ver se ele pega no sono sozinho novamente. Assim se estabelece um modo de vida mais relaxado. Com joie de vivre, como eles dizem.”

Leia mais sobre o assunto, no post: Educação à Francesa

Fonte:  Revista Veja 

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